A história contada em Salvar o fogo tem várias camadas e muitos significados. Sua força reside na forma habilidosa que Itamar Vieira Junior mescla a trajetória íntima de seus personagens com traços da vida – social, emocional e cultural – brasileira. Moisés vive com o pai, Mundinho, e sua irmã, Luzia, em um povoado rural conhecido como Tapera do Paraguaçu, às margens do rio de mesmo nome, no interior da Bahia. Os outros irmãos estão espalhados pelo mundo. Tapera é uma comunidade de agricultores, pescadores e ceramistas de origens afro-indígena que vive à sombra do poder da igreja católica (dona de um mosteiro construído no século XVII e detentora do domínio das terras) e dos humores de seus membros religiosos, também suscetíveis à cobiça e às paixões. Órfão de mãe, Moisés encontra afeto – não livre de algumas escaramuças – com Luzia, uma jovem mulher estigmatizada entre a população por seus supostos poderes sobrenaturais. Para ganhar a vida, Luzia se torna uma diligente lavadeira do mosteiro e passa a levar uma vida de profundo sentido religioso, o que a faz educar Moisés com rigidez. Sua proximidade com a igreja também garante ao menino a formação que os irmãos mais velhos não tiveram. A vida escolar junto aos padres, porém, irá colocar Moisés em contato com experiências que marcarão sua vida para sempre e cujos reflexos podem mesmo estremecer sua relação com a irmã. Luzia, por sua vez, carrega a recordação dos irmãos que partiram, um a um, em busca de uma vida melhor por não encontrarem na aldeia perspectiva de terra, trabalho e dignidade. Sozinha, teve que cuidar da casa e do irmão, amparar o pai, além de lidar com a violência de uma comunidade que parece esquecer das próprias raízes. Ela ainda alimenta a esperança de reunir a família novamente, especialmente a irmã mais nova, que deixou a casa ainda na adolescência sem nunca ter retornado. Anos depois um grave acontecimento pode ser a oportunidade para que a família se reúna, e este reencontro promete deixar de lado décadas de segredos, sofrimentos e silêncios. A história se refaz pouco a pouco, à medida que a desconhecida história da aldeia se revela – descortinando junto com essa história familiar e particular um quadro mais amplo sobre o Brasil e seu povo. Épico e lírico, com o poder de emocionar, encantar e indignar o leitor a cada nova página, Salvar o fogo nos mostra que os fantasmas do passado de uma família muitas vezes não se distinguem dos fantasmas do país. Uma trama atravessada pelos traumas do colonialismo que permanecem vivos, como uma ferida ainda aberta.
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